sábado, 2 de agosto de 2014

A dominação do príncipe

Então Jesus, chamando-os para junto de si, disse: Bem sabeis que pelos príncipes dos gentios são estes dominados, e que os grandes exercem autoridade sobre eles. Mt 20.25

O verso acima é único nos evangelhos. Não tem paralelo.
Dessa unicidade surge sua importância, vez que do conteúdo desse verso se pode extrair, sem distorções, os pensamentos do Nazareno a respeito do sistema político que operava na sociedade de então e que vale para as gerações seguintes, posto que tudo o que saiu de sua boca é perene, certo, absoluto e inconteste, bem diferente de qualquer outro personagem bíblico ou histórico.  
Necessário se faz explorar esse verso em cada nuance para se chegar ao conceito do Nazareno em relação ao sistema de administração da sociedade que ele tinha em mente, complementada com os dois versos seguintes ao apresentado acima.

Príncipes que dominam e grandes que exercem autoridade.

- O termo “príncipe” aponta para o poder absoluto muitas das vezes exercido hereditariamente (a instituição “herança” é um problema para a raça humana), independente da postura e contexto ético/moral de quem o exerce. Aponta para privilégios exclusivos, para o hedonismo, para o despotismo, para o distanciamento discriminatório, para a satisfação dos mais absurdos, rasteiros e abjetos desejos, para o desprezo das classes inferiores, para o uso indiscriminado e arbitrário dos recursos levantados junto à população.
Há casos em que essa figura reveste-se dos atributos da divindade em que não pode ser contestado, questionado, contrariado. Houve um que não atribuindo a Deus a devida honra quando confundido com Ele, morreu instantaneamente.
O termo aponta, ainda, obviamente, para a instituição do “principal”, que só é possível quando há aqueles que não ocupam essa condição, ou seja, para existir o principal presume-se que existam outros que não o são, modernamente chamado de hierarquia em que o principal é o que ocupa o topo da pirâmide. Cuidado! Saia daí. Se não de fato, pelo menos de direito. 
Qualquer líder em qualquer área da existência humana é geneticamente vocacionado a exercer o papel de príncipe, posto que a queda da raça humana foi geneticamente arquitetada por um príncipe. Natural que seja assim.

- Dominação sugere controle, às vezes até mental, das massas, ou de parcelas delas, grandes ou pequenas. Sugere maquiavelismo, bem como o uso e abuso das forças policiais, sempre a seu serviço. Dominação que se expressa no controle do ir e vir, da ascensão social, da manutenção dos estratos sociais em seus limites, da inacessibilidade aos direitos mais primários, no desfazimento das aspirações populares. Expressa-se também pelo controle da força do trabalho das pessoas, ainda que para isso tenha que recompensar abundantemente a fim de mantê-las onde estão. Está presente em todas as instâncias da vivência humana, desde a família em que maridos dominam sobre esposas e pais sobre filhos, ao campo profissional em que patrões dominam sobre operários, e mesmo ao mundo religioso em que sacerdotes dominam sobre os leigos. Ingrediente fundamental para a dominação: divisão de classes. Sem isso é impossível o domínio de uns sobre outros, com destaque para o execrável domínio dos brancos sobre os negros.
Dominação principesca é muito próprio do anjo caído.       

- Grandes. Para existir os grandes é preciso existir os pequenos. Isso é o recrudescimento do estabelecimento da divisão de classes. Os grandes são grandes no tamanho opressor, na representatividade de si próprio, no poder despótico, na influência onipresente. Grandes são grandes apesar do que quer que seja. A natureza do “ser” grande é estimulada por e estimula a competição pelo ser melhor que o outro. Ao grande importa ser grande e crescer. A grandeza só se mantém se ela for dinâmica, por isso, quem é grande não pode parar de crescer. Isso responde muita coisa. O grande alimenta-se do pequeno, e sem ele não existe. A neurose do grande é a possibilidade de um dia o pequeno acabar. Já foi dito que em 2014 a riqueza dos 85 mais ricos é igual a 3,5 bilhões dos mais pobres. Grande essa diferença. Um dia alguém pagará essa conta.         

- Autoridade. Aqui mora uma das maiores distorções da raça humana, seja no âmbito social ou religioso.
No mundo religioso essa distorção nasce de uma frase escrita por um autor em que ele diz que toda a autoridade vem de Deus. É obvio que o autor disse isso em um contexto policial para a manutenção da ordem pública. Ali fala-se de espada, aquele instrumento cortante e pontiagudo. (Nota: aqui não cabe o sentido figurado aplicado à espada). Aliás, amigos desse autor eram desobedientes quanto à ordem de se calarem ante a possibilidade de falarem das coisas de Deus e acho que ele aceitava isso naturalmente.
Ao tema: Alguém dirá que Deus avalizava Nero, Hitler, Stalin, Castro, Bush et caterva? 
Por outro lado, no âmbito social, a autoridade vem do sufrágio universal em que paradoxalmente se dispensa o poder de Deus (“todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”).
A distorção mora aqui pois autoridade vem de autorização. Alguém só pode exercer uma relativa autoridade se autorizado por Deus, que é o dono do “negócio”. Se Deus é retirado do negócio, logo, todos estão desautorizados.
Pretender usar de autoridade sem a autorização de Deus é usurpação.
Evidente que não se está preconizando a anarquia, que é a negação da autoridade. Fato é que autoridade só pode ser exercida por quem é autorizado por Deus. A prerrogativa de exercer a autoridade não está aberta e não é conferida a quem se acha capaz e preparado para exercê-la. Mais: essa autoridade (decorrente da autorização) não pode ser tão somente estabelecida pelo voto. Há mais a considerar, muito mais. Enquanto as palavras do Nazareno não forem consideradas dignas de afetar o cotidiano das pessoas será esse caos que se vive hoje em dia, como nos dias passados. A fala do Nazareno não deve ser considerada minimalistamente em um plano religioso. Como se Ele fosse um religioso!        

A tudo isso o Nazareno propõe uma solução, um caminho. Ele estabelece um novo paradigma. Verifique em sua bíblia nos dois versos seguintes ao apontado acima.

Ornitorrinco Madiba

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