O boi Tatá e a tartaruga Sinja na Floresta
Brasilis
De repente surge a tartaruga Sinja com uma cicatriz
enorme em seu casco impressionando a todos os animais da Floresta Brasilis. O
que teria acontecido com a coitada era o que todos perguntavam com olhar de
espanto e curiosidade. Abordaram-lhe, então, capitaneados pela temida onça e
perguntaram o que teria acontecido para que ela estivesse passando por tamanho
sofrimento. Ela respondeu do alto de sua resignação:
- O boi Tatá, irmão do boi Tutu, ao atravessar um
lamaçal em direção à sua empresa e não querendo sujar suas patas, ordenou-me
que me colocasse sobre as poças para que ele pudesse atravessar. Todos lá de
casa estão assim machucados, pois todos vocês sabem que ele tem 66 patas e
todos foram convocados para a tarefa, logo nós que estamos com o QDI em dia.
A temida onça balançou a cabeça e disse:
- Esse boi não tem jeito mesmo!
A anaconda deu o seu silvo, se é que silvo sabe dar, e
recolheu-se às profundezas de sua existência.
O bicho preguiça, rapidinho e mais que depressa, o
que, convenhamos, não é tão rápido assim, falou:
- E u n ã
o t e n h o n a d a
a v e r c o m
i s s o. C a d a u m
é c a d a u m, com o que o mico-leão-dourado concordou
dizendo:
- Cada macaco no seu galho. Cada um por si e o sol
para todos.
O cervo sequer entendeu o que estava ocorrendo e
correndo foi-se, saltitante, feliz por mais um dia desfrutar da sua capacidade
de correr e saltar. Ele tinha conseguido importar um jogo de ferraduras
próprias para cervos. Sabe?! Coisa de qualidade, de marca, tinha até etiqueta,
ele não podia perder tempo para demonstrar sua mais nova aquisição. Ele havia
comprado também um pombo correio de bolso e não via a hora de mandar mensagens
para os outros cervinhos e cervinhas.
O papagaio discursou:
- Isso não me parece muito justo. O boi tem todos os
recursos para construir uma ponte e fica oprimindo assim as tartarugas, além do
que ele não paga o QDI dele. Isso não é justo! Isso não é justo! Isso não é
justo! E papagaiando voou.
A coruja olhou, pensou, refletiu, analisou. Foi-se.
Voltou. Todos imaginavam que ela teria algo a falar, que ela teria a resposta
para a origem de tão grande desplante. Mas ela não se manifestou e triste
retirou-se dali.
Na semana seguinte foram os jabutis que apareceram
marcados, pois a tartaruga Sinja vendo que o boi Tatá, irmão do boi Tutu, não
tomaria as providências para a construção da ponte, foi-se embora da floresta,
passando a habitar o cerrado. Os jabutis, coitados, ficaram com as mesmas
marcas das tartarugas e novamente todos se aproximaram deles para verificarem
as marcas das patas do boi Tatá, irmão do boi Tutu, em suas costas. E de novo,
a temida onça balançou a cabeça, a anaconda e o cervo retiraram-se, o bicho
preguiça falou novamente que não tinha nada a ver com aquilo, no que foi de
novo apoiado pelo mico-leão-dourado e o papagaio discursou:
- Isso não é justo! Isso não é justo! Isso não é
justo! E papagaiando voou.
A coruja, por sua vez, novamente olhou, pensou,
refletiu, analisou. Foi-se. Voltou. Ela estava quase chegando à resposta do por
que tais fatos ocorriam em uma floresta tão próspera.
Na semana seguinte, como os jabutis também foram
embora sem deixar paradeiro, o boi Tatá, irmão do boi Tutu, ordenou que as
antas trouxessem de volta a tartaruga Sinja e todos os seus. Meios para isso
não faltariam, pois o boi Tatá, irmão do boi Tutu, era empreiteiro e muito
amigo do banqueiro Paturi, cujo tio era o também banqueiro dono do banco
Patinhas. Ele jamais negaria um empréstimo com taxas diferenciadas para um
amigo tão chegado empreender a tarefa.
Assim, a contragosto e forçada, a tartaruga Sinja
retornou à floresta e novamente foi marcada pelas patas do boi Tatá, irmão do
boi Tutu, bem como todos os seus, pois, lembrem-se que o boi Tatá, irmão do boi
Tutu, tinha 66 patas e já não tendo mais em que gastar seu dinheiro estava
comprando mais 600 patas eletrônicas.
No domingo, quando a bicharada se encontra, estavam
todos ali: a onça, a anaconda, o bicho preguiça, o mico-leão-dourado, o cervo,
o papagaio papagaiando “Isso não é justo! Isso não é justo!”. O boto
cor-de-rosa, embora não tivesse uma reputação muito boa, também resolveu dar as
caras. O Paturi estava presente, assim como uma anta representante do boi Tatá,
irmão do boi Tutu. O boi Tatá, irmão do boi Tutu, não foi por dois motivos: ele
não gosta de se misturar com os demais e ele tem medo de outros dois animais que
estariam presentes na assembleia: a anaconda e a mula-sem-cabeça. No fundo no
fundo, o boi Tatá, irmão do boi Tutu, é medroso.
Era um domingo especial porque a coruja iria se
manifestar a respeito do que estava ocorrendo na Floresta Brasilis que era tão
próspera e até democrática, embora o boi Tatá, irmão do boi Tutu, comprasse
todos os votos, colocando no governo sempre o animal que mais lhe interessava.
O palco estava montado. A coruja chegou de mansinho,
envergonhada, pois a conclusão a que chegara também lhe dizia respeito.
Olhou nos olhos de todos os presentes na assembleia.
Em meio à lágrimas e à esfuziantes soluços, por fim expressou sua conclusão
dizendo:
- Vocês querem mesmo saber por que nós chegamos a esse
ponto de uns serem melhores do que outros, de uns terem mais privilégios do que
outros, de uns se sobrepujarem a outros, de uns serem menosprezados em favor do
conforto de outros? Pois então é essa a conclusão a que cheguei: Nós perdemos nossa capacidade de nos
indignar!
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