quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

O boi Tatá e a tartaruga Sinja na Floresta Brasilis

O boi Tatá e a tartaruga Sinja na Floresta Brasilis
De repente surge a tartaruga Sinja com uma cicatriz enorme em seu casco impressionando a todos os animais da Floresta Brasilis. O que teria acontecido com a coitada era o que todos perguntavam com olhar de espanto e curiosidade. Abordaram-lhe, então, capitaneados pela temida onça e perguntaram o que teria acontecido para que ela estivesse passando por tamanho sofrimento. Ela respondeu do alto de sua resignação:
- O boi Tatá, irmão do boi Tutu, ao atravessar um lamaçal em direção à sua empresa e não querendo sujar suas patas, ordenou-me que me colocasse sobre as poças para que ele pudesse atravessar. Todos lá de casa estão assim machucados, pois todos vocês sabem que ele tem 66 patas e todos foram convocados para a tarefa, logo nós que estamos com o QDI em dia.
A temida onça balançou a cabeça e disse:
- Esse boi não tem jeito mesmo!
A anaconda deu o seu silvo, se é que silvo sabe dar, e recolheu-se às profundezas de sua existência.
O bicho preguiça, rapidinho e mais que depressa, o que, convenhamos, não é tão rápido assim, falou:
- E u   n ã o   t e n h o   n a d a   a   v e r   c o m   i s s o.  C a d a   u m   é   c a d a   u m, com o que o mico-leão-dourado concordou dizendo:
- Cada macaco no seu galho. Cada um por si e o sol para todos.
O cervo sequer entendeu o que estava ocorrendo e correndo foi-se, saltitante, feliz por mais um dia desfrutar da sua capacidade de correr e saltar. Ele tinha conseguido importar um jogo de ferraduras próprias para cervos. Sabe?! Coisa de qualidade, de marca, tinha até etiqueta, ele não podia perder tempo para demonstrar sua mais nova aquisição. Ele havia comprado também um pombo correio de bolso e não via a hora de mandar mensagens para os outros cervinhos e cervinhas.
O papagaio discursou:
- Isso não me parece muito justo. O boi tem todos os recursos para construir uma ponte e fica oprimindo assim as tartarugas, além do que ele não paga o QDI dele. Isso não é justo! Isso não é justo! Isso não é justo! E papagaiando voou.
A coruja olhou, pensou, refletiu, analisou. Foi-se. Voltou. Todos imaginavam que ela teria algo a falar, que ela teria a resposta para a origem de tão grande desplante. Mas ela não se manifestou e triste retirou-se dali.
Na semana seguinte foram os jabutis que apareceram marcados, pois a tartaruga Sinja vendo que o boi Tatá, irmão do boi Tutu, não tomaria as providências para a construção da ponte, foi-se embora da floresta, passando a habitar o cerrado. Os jabutis, coitados, ficaram com as mesmas marcas das tartarugas e novamente todos se aproximaram deles para verificarem as marcas das patas do boi Tatá, irmão do boi Tutu, em suas costas. E de novo, a temida onça balançou a cabeça, a anaconda e o cervo retiraram-se, o bicho preguiça falou novamente que não tinha nada a ver com aquilo, no que foi de novo apoiado pelo mico-leão-dourado e o papagaio discursou:
- Isso não é justo! Isso não é justo! Isso não é justo! E papagaiando voou.
A coruja, por sua vez, novamente olhou, pensou, refletiu, analisou. Foi-se. Voltou. Ela estava quase chegando à resposta do por que tais fatos ocorriam em uma floresta tão próspera.
Na semana seguinte, como os jabutis também foram embora sem deixar paradeiro, o boi Tatá, irmão do boi Tutu, ordenou que as antas trouxessem de volta a tartaruga Sinja e todos os seus. Meios para isso não faltariam, pois o boi Tatá, irmão do boi Tutu, era empreiteiro e muito amigo do banqueiro Paturi, cujo tio era o também banqueiro dono do banco Patinhas. Ele jamais negaria um empréstimo com taxas diferenciadas para um amigo tão chegado empreender a tarefa.
Assim, a contragosto e forçada, a tartaruga Sinja retornou à floresta e novamente foi marcada pelas patas do boi Tatá, irmão do boi Tutu, bem como todos os seus, pois, lembrem-se que o boi Tatá, irmão do boi Tutu, tinha 66 patas e já não tendo mais em que gastar seu dinheiro estava comprando mais 600 patas eletrônicas.
No domingo, quando a bicharada se encontra, estavam todos ali: a onça, a anaconda, o bicho preguiça, o mico-leão-dourado, o cervo, o papagaio papagaiando “Isso não é justo! Isso não é justo!”. O boto cor-de-rosa, embora não tivesse uma reputação muito boa, também resolveu dar as caras. O Paturi estava presente, assim como uma anta representante do boi Tatá, irmão do boi Tutu. O boi Tatá, irmão do boi Tutu, não foi por dois motivos: ele não gosta de se misturar com os demais e ele tem medo de outros dois animais que estariam presentes na assembleia: a anaconda e a mula-sem-cabeça. No fundo no fundo, o boi Tatá, irmão do boi Tutu, é medroso.
Era um domingo especial porque a coruja iria se manifestar a respeito do que estava ocorrendo na Floresta Brasilis que era tão próspera e até democrática, embora o boi Tatá, irmão do boi Tutu, comprasse todos os votos, colocando no governo sempre o animal que mais lhe interessava.
O palco estava montado. A coruja chegou de mansinho, envergonhada, pois a conclusão a que chegara também lhe dizia respeito.
Olhou nos olhos de todos os presentes na assembleia. Em meio à lágrimas e à esfuziantes soluços, por fim expressou sua conclusão dizendo:

- Vocês querem mesmo saber por que nós chegamos a esse ponto de uns serem melhores do que outros, de uns terem mais privilégios do que outros, de uns se sobrepujarem a outros, de uns serem menosprezados em favor do conforto de outros? Pois então é essa a conclusão a que cheguei: Nós perdemos nossa capacidade de nos indignar!

Nenhum comentário:

Postar um comentário