sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Terra em pranto

Terra, terra, que ensurdeceste-te ante aqueles que poderiam ajudar-te, e assim, mataste-os.
Quantas vezes quis eu recolher-te qual galinha aos seus pintainhos, e renegaste.
Terra, que choras os fetos abortados concebidos em aventuras inconsequentes do prazer.
Terra, que choras os óbitos precoces em terras muçulmanas, africanas e americanas.
Terra, que pranteias os filhos abatidos de todas as classes a serem enterrados pelos pais, quando o natural seria o contrário.
Terra, por que manténs essa desigualdade social que te faz tão mal?
Terra, que insistes em não ver, que persistes em não ouvir.
Terra, que celebras a acumulação, e por ela, te manténs em prisão.
Terra, que choras os filhos viciados e não te dás contas de que o que faltou foi o aconchego de um lar equilibrado.
Terra, que lamentas os desvios e desmandos dos poderosos, enquanto crês que o sistema por si só se resolverá.
Terra, que te indignas, mas que pela indignação te contentas.
Terra, que optas pela superficialidade das relações alimentada por uma tecnologia doente incapaz de alcançar o âmago das questões.
Terra, que te contentas com o circo televisivo e das redes sociais embalando-te por datas festivas sem jamais dares um passo além.
Terra, que choras a dor da violência conjugal, das relações pedófilas e incestuosas.
Terra, que pranteias a violência urbana que, insana, destrói sonhos.
Terra, que barganhas o eterno pelo temporal, o transcendente pelo material.  Terra, terra, que ensurdeceste-te ante aqueles que poderiam ajudar-te, e assim, mataste-os.

Quantas vezes quis eu recolher-te qual galinha aos seus pintainhos, e renegaste.

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